sábado, 18 de junho de 2011

[Folhetim ainda sem título] (PARTE 2) - Fernando Xavier & Relbier Oliveira

Ao se separarem, Fábio indaga:

— Até não faz muito, queria se casar comigo; agora sou só teu amigo?

— Do que está falando, hein?

Fábio, sem mais, deu-lhe as costas e saiu do metrô. Foi-se embora para casa. Felisberta, sem se importar muito com tal atitude, continuou sem rumo determinado seu caminho. Até que se deu conta: “Mas, que burro! ‘Amigo’ era o José!”. Já era tarde, Fábio já estava pensando besteiras à mil. Acontece que Felisberta, quando da apresentação, confundira as mãos ao apontar quem era o “amigo” da apresentação. Quem era o que não era “amigo” então?

Sempre avoada, Felisberta permitiu-se seguir os devaneios que tal problema lhe apresentava, e seus pés pareciam mesmo seguí-los “na realidade”, pois ela trilhava caminhos nunca dantes trilhados.

Noutro ponto daquela megacidade, Fábio entrava numa pocilga recém-inaugurada, absorto em pensamentos sórdidos por conta de tão pouco ou nada. Pensava “amigo?! Depois de tudo o que passamos! Amigo?!”. Sentou-se no balcão. Pediu uma dose, ao que, depois de a moça servir-lhe em um daqueles copinhos menores do que os americanos, disse: “A garrafa. Esta titica pode ficar pra você, eu pago!”. A moça, que não parecia muito feliz com nada aparente, retrucou: “Não bebo, senhor. Você pediu uma dose, afinal. Se querias mais, devia ter pedido outra coisa!”.

— Olha, moça, meu dia já não está muito bom. Aceito o desafio: vou discutir com a senhora.

Não demorou muito, e os irmãos truculentos daquela “senhora” estavam rearranjando a mobília do estabelecimento por conta da movimentação dos primeiros (ou, do primeiro) cliente: Fábio fora arremessado em várias direções, contra diversas mesas e prateleiras. Copos que se quebravam, garrafas que se preservavam apesar de caírem “altamente” no chão. Gritos, sangue, palavrões! E estava sendo mesmo um sucesso a inauguração: os transeuntes, enfim, paravam para olhar. Lotavam os arredores. De fato, a propaganda anda mesmo cada vez mais agressiva!

Ao ser arremessado contra-sobre-ralando no asfalto quente do finzinho de tarde, e após quase ser atropelado por uma moto, Fábio, ainda meio tonto, levantou-se aparentemente risonho e feliz. Bateu nos bolsos da calça, meio que levantando a camisa, buscando algo sob o seu cafona paletó cinza com forro azul, ao que, para o espanto de alguns, verbalizado em gritos como “Meu Deus, ele tem uma arma!”, mostrou ser meramente a busca por seu celular. E tal (o objeto contraditório) de repente apareceu na cena em uma trajetória não-retilínea uniforme, traçando uma parábola, arremessado lá de dentro da pocilga, espatifando-se, tal qual o dono, no meio da rua, findando-se, diferentemente dele, com o feliz (?!) esmagamento por um ônibus, tirando, enfim, aquele sorriso insolente da sua face. Atônito, Fábio permaneceu por alguns instantes admirando a estranha cena, analisando o corpo mais inanimado que nunca do seu celular, pensando se ainda devia recolhê-lo ou não. Em verdade, talvez aquela fosse só a deixa para que ele enfim tomasse vergonha (na cara) e trocasse aquele démodé aparelho.

Não demorou muito (afinal, o clima ali não era dos mais amenos), Fábio tornou a seguir seu caminho, que, a princípio, o conduzia à sua casa, mas que, agora, já não estava tão certo assim.

Na esquina, Fábio encontrou um telefone público. Bateu a mão no bolso traseiro da calça para apanhar sua carteira, a fim de retirar um cartão, mas deu-se conta pela falta dela: “Ora, foda-se: carteira e cartão são para os fracos!”. Á base do 9090, tocou no celular de Felisberta, que, à essa altura, gemia loucamente na cama de um desconhecido. Freou o desejo por um instante sob o corpo suado de um rapaz de não mais que 15 anos afoito pela ejaculação, estendeu seu braço esquerdo em direção ao celular sobre o criado mudo e, vendo o número, desligou-o em seguida, tirando-lhe a bateria e arremessando suas partes sobre o carpete da porta. Aquilo era um motel, desses dentro do centro da cidade, às margens de uma grande, feia e suja avenida; próximo ao rio podre.

Felisberta, então, intentou sair de debaixo do rapaz, que impedia-lhe instintivamente, como um cão que prende a cadela com suas patas dianteiras trêmulas de cansaço: “Olha, moça, eu ainda não terminei. Se queres a grana, seja boazinha”, disse o rapaz.

— Olha, fala como um homem que estivesse mesmo sobre o controle da situação! – zombou-lhe — veja só: eu só estava sem o dinheiro para um café. Mas acontece que já me passou a vontade; agora estou a fim de fumar, e cigarros eu tenho. A propósito, dinheiro nunca foi problema pra mim, dinheiro é a solução. Se estou aqui agora é porque quero, não por que precise (muito). Agora, me deixe ir embora, tenho assuntos pra resolver.

— foda-se, dona – respondeu o rapaz ofegante e já exaltado — não quero saber da sua vida, quero só te comer. E eu não paguei essa porra à toa.

De repente, começou uma sessão tensa de agressões. Felisberta tentava desvencilhar-se das garras do inexperiente garanhão, e este, por sua vez, como se estivesse sobre o efeito da privação de alguma droga (o sexo, obviamente: quem nunca sentiu os efeitos da ameaça ao coito no psíquico?), não media a consequência dos seus atos e, ao contrário, entregava-se insanamente a eles. Àquela altura, já não importava mais nada: seu prazer estava ameaçado, e ele estava disposto a ir até o fim para defende-lo. Mas resolveu ir além. Tendo conseguido imobiliza-la debruço na cama, não contente com a salvaguarda do seu prazer imediato, tirou o preservativo e principiou a violá-la por vias não costumeiras, ao que ela balbuciava algumas palavras de desaprovações misturadas com gritos de dor, pânico e afins.

[Folhetim ainda sem título] (PARTE 1)- Fernando Xavier & Relbier Oliveira

Tinha dito o quanto desvanecido estava:

— Olha, estou muito desvanecido...

Mas tinha dito também o quanto não era mais ele mesmo:

— Meu caro, eu não vou repetir o que eu disse...

A passos largos, ia para o quintal, e a passos largos, voltava para a sala. Há meia hora esperava a bendita e ela nem sinal! Mas que afronta! Que disparate! E tragava mais e mais o cigarro.

— Pelo amor de Deus! A gente combina um horário, mas ela não respeita, nunca respeita!

Meia hora depois a fulana abre o portão afoita:

— Ei meu bem, trago boas noticias: O Bonifácio me entregou o malote! Vamos para Paris!

— Aehh! Prepare as malas! Vamos hoje mesmo!

— Demorou!

E assim foram para Paris. Viajaram pelo Chateau de Versailles, pelo Centro Pompidou e pelo Museu Rodin. Agora eram chiques, não podiam mais comer um bife à milanesa sem lembrar do Petit a Gateau.

Mas foi na volta para o Brasil (Ah... que volta!) que aconteceu o que interessa nessa história.

— Olha, meu bem, não deixemos o navio naufragar, não fiquemos a esperar as curvas da estrada... Você sabe, e eu sei... Devemos nos casar, Imediatamente! Nós nos amamos, não? Então porque deveras devemos esperar mais? Eu durmo na tua casa todo dia, quase. Pago aluguel á toa... Vamos juntar nossos panos de bunda e ficarmos bem!

— Mas que maneira mais insensível de pedir alguém em casamento!

— Ah, não vem querendo dar uma de romântico porque tu não é!

— Aff

— E outra coisa, você não tem outra opção! Ha-há-há...

— Que engraçado. Há-ha... Só você entendeu a piada.

— Sem graça.

Mas essa história não é assim uma regra: um romance brega, careta, típico tema musical moderno... Não! O que acontecerá adiante mudará a história da humanidade! Mudará os rumos da sua vida! Sentirá os efeitos: o boi pastando no pasto, a coruja corujando no poste, o cavalo cavalando no celeiro e o homem trabalhando em qualquer lugar.

— Ó, vida celeste! Céus azuis. Meretrizes em chamas!

— Ó, canavial medonho! Vidas breves sem carinhos tortos!

— Ensina-me, como a teu rebanho, onde está o segredo do teu sorriso sem motivo!

— Ó, ensina-me a viver! Tu que sabes que viver é arte. É técnica e ao mesmo tempo privilégio!

— Conversa de doido!

— Pois é.

No metrô, os atores e atrizes desempenhavam o suficiente para as moedas...

— Eu não vou dar um centavo pra esse povo.

— Eu vou dar uns trocados. Tem que ser muito corajoso pra ser assim tão idiota.

— Há-há-ha.

Mas um dos atores olhou para a moça de vestido de seda azul a meio palmo acima do joelho com um decote bem trabalhado para sensualizar qualquer ocasião.

— Ei!

— Oi?

— Você não é aquela moça que viajou comigo para Foz do Iguaçu? Felisberta, não é mesmo?

— Sim, sou eu mesma! Que coincidência, hein.

— Pois é!

— Esse é meu amigo, José. José, Fabio, Fábio. José.

— Prazer.

— Prazer.

— Olha, vou indo nessa, tenho muitas coisas a fazer, como você mesmo pôde testemunhar, ha-ha-ha

— Eu tô vendo. Mas olha, um conselho: melhore esse texto. Tá feio, hein.

— É um artista da Grécia antiga, coisa fina.

— Então deixa e fala pra todo mundo que era da Grécia. Quem sabe o povo não começa a gostar.

Por quem o sinos dobram

Título original: (For Whom the Bells Tolls)
Lançamento: 1943 (EUA)
Direção: Sam Wood
Atores: Gary Cooper, Ingrid Bergman, Akim Tamiroff, Arturo de Córdova.
Duração: 156 min
Gênero: Drama
Baseado no controverso best-seller de Ernest Hemingway e vencedor do Prêmio Pulitzer de Literatura, "Por Quem os Sinos Dobram" é um inesquecível clássico do cinema americano.

Produzido e dirigido pelo cineasta Sam Wood, o filme trata de temas como idealismo, auto-sacrifício e esperança. As cenas de ação são excelentes, proporcionando ainda uma boa dose de suspense.

Além do ótimo trabalho de Sam Wood, "Por Quem os Sinos Dobram" apresenta uma bela trilha sonora, assinada pelo grande Victor Young, uma fotografia deslumbrante e um elenco muito bem escolhido. No quesito interpretação, os dois maiores destaques são as atuações da atriz grega, Katina Paxinou, estreando no cinema, e de Akim Tamiroff, seguidos de Ingrid Bergman, Gary Cooper e Joseph Calleia. Critica desse filme retirada de:
http://www.65anosdecinema.pro.br/1484-POR_QUEM_OS_SINOS_DOBRAM_(1943)

Parte 1:
Parte 2:
Parte 3:
Parte 4:
Parte 5:
Parte 6:

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Olhares - Arnaldo Silva

O que vejo
não vem de fora
e entra em meu ser

O que vejo
vem de dentro e se
projeta aos meus olhos

O que vejo
é inerente ao que
sou e sinto

O que vejo
reflete minhas
limitações e medos

O que vejo
esconde o que não vejo
as vezes me aquece e
as vezes me gela

O que vejo
pouco me surpreende
não me estarrece

O que vejo
me faz desejar
um outro mundo ou quem
sabe novos olhos

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre o amor e outras relações sociais - Relbier Oliveira

A possibilidade do amor tem por vezes dois lados, o medo e a repulsa: o medo de que a pessoa a que se está amando perceba-se amada e, noutro caso, a repulsa decorrente desse outro qualquer, talvez um amigo próximo, considerar-se por você amado. É trágico. É mais do que um jogo de azar, porque o acaso por vezes é mais generoso. E então você fica na indecisão se abre ou não as cartas na mesa, mas sofre considerando a possibilidade da repulsa, vislumbrando, porém, os sinais do medo do amor, pois são recíprocos entre os envolvidos esses dois lados. Entretanto, bem já dizia Lulu: “acho bobagem a mania de fingir negando a intenção”; e, em algum tempo, certo poeta nos orientou a “desgraçartear”.

Espera-se mais saúde mental quando menos se está sofrendo. Quanta energia não se gasta dissimulando sobre tudo. Seriam os mais sinceros mais serenos? Têm horas que ser sincero consigo mesmo e com Deus só não basta. Afinal, não vivemos sós: convivemos com outros “iguais” a nós. Dependemos de outros e/ou temos que os tolerar, que seja. E nesses casos, dizer o que se está sentindo, buscando-se menor tensão mental, vale mais do que ouro: seu espaço é respeitado, sua singularidade, aceita; assim, resguarda seu lugar no mundo, lugar este onde se está seguro, onde se está tranquilo, onde se está sereno. O amor, disse certa vez o mesmo poeta acima mencionado, é como uma pedra atirada no seu lago de águas calmas. Portanto, quer assunto mais perturbador que este na vida de uma pessoa? Cuide-se, amigo. Siga em paz! Mas, para tanto, é preciso antes que resolva estas demandas perturbadoras da vida. Fica a dica: seja sincero sobre seus sentimentos, e pratique esta habilidade exaustivamente. Assim, verás o quanto o mundo pode ser agradável para se viver quando sua produção não prescinde de você.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

A extensão de um instante - Relbier Oliveira

Hugo sai eufórico do edifício onde estivera para a sua enésima entrevista de emprego. Obviamente, desta vez o saldo foi positivo. Desde que concluíra sua segunda graduação, nem mesmo com o fato de sua boa-aparência, erudição, fácil sociabilidade e sua relativa fluência em inglês, espanhol e alemão (além de um conhecimento satisfatório do italiano e do francês), conseguia um emprego a contento.

Não fazia muito, Hugo arriscara sua amizade com Samantha, a quem tinha em grande consideração, perguntando-lhe, em tom de brincadeira (daquelas típicas brincadeiras com fundinho de verdade) em quais condições ela se casaria com ele. A bem da verdade, Hugo era louco por ela desde os tempos da faculdade, quando estudaram juntos; e se via capaz de tudo, inclusive de sufocar todo esse seu amor, para estar sempre a seu lado, mesmo que somente como amigo, e, por isso, jamais ousara ir muito longe; às mais das vezes, aquelas indiretas inofensivas que, apesar disso, retornavam na forma de culpa e arrependimentos. Hugo melhorara muito enquanto pessoa: consigo mesmo e com os outros. Ele era agora quase que um exemplo de ser humano. E a resposta de Samantha, aliada ao recente emprego, vinham coroar definitivamente sua história de vida. Ela dissera: “o que temos é muito especial. Já somos muito mais que amigos. Arranje um bom emprego e eu me caso com você”. Desde então, Hugo enlouquecera, e fizera de tudo imaginável para satisfazer essa condição. Até para vereador se candidatara.

Saindo daquele lugar, tudo o que ele mais queria (ou, mais especificamente, só o que ele queria) era comunicar a Samantha este fato, e principiar ser feliz para o resto da vida. Hugo, irradiante, avança sobre a rua em direção ao telefone público do outro lado (pois seu celular estava sem crédito); aquela pacata rua que infinitas vezes ele atravessara, inclusive de olhos fechados. Mas eis que um pressentimento lhe sobreveio: lembrou-se que nos últimos tempos tal rua se transformara, e que veículos das mais diversas naturezas agora transitavam por ali. Com a periferia do seu olho direito, pôde ver que algo estranho, grande e pesado se aproximava apressadamente de si. Com toda a extensão do olho esquerdo, por sua vez, captou o movimento normal de todos os transeuntes que por ali passavam, até mesmo o anormal de uma senhora com olhar atônito em sua direção, com cara de pavor, como se gritasse algo para ele. Não demorou muito e Hugo percebeu que era hora de, mais do que se lamentar, fazer o que sempre ouviu dizer que se devia ser feito nesse momento, nesse nunca esperado e temível momento. Sem nem pensar na impossibilidade lógica do que pretendia naquele instante, simplesmente o fez: com a velocidade de algo nunca visto e talvez nem mesmo nunca pensado, perpassou por seus trinta e poucos anos de existência rememorando os pontos brilhantes de sua existência, mas deteve-se especialmente nos acontecimentos dos últimos cinco anos. Se tivesse um pouco mais de tempo, apreciaria uma bela xícara de café recém-passado para curtir profundamente aquele momento definitivamente único, mesmo ciente do fato de ter parado de tomar café há pelo menos cinco anos. Nesse período, Hugo também parou de ser uma pessoa medíocre, acuada, com medo de tudo (e cada vez com medo de mais); parou de ser depressivo, antissociável, apático e insosso. Empreendeu, decididamente, uma mudança, talvez mais difícil do que o transporte do mundo todo para próximo de outro sol. Foi capaz, inclusive, de mudar o seu biológico. Nesse período, conheceu o verdadeiro (talvez, porque último) amor da sua vida; e, apesar de nunca tê-la como le gusta, aprendeu a passar a maior parte do seu tempo de vigília na realidade, abandonando quase que completamente toda fantasia vã. Planejou casamento, filhos, viagens: um sonho burguês, é verdade. Mas, afinal, que mal há nisso? Enfim, estava pronto para o mundo, completo. Pronto para começar a viver o que até então não vivera satisfatoriamente. Atrasou o gozo para colher mais prazer adiante. Valeu a pena? Apesar de sequer ter tido tempo de ver o que fatalmente passou por cima de si, todo seu raciocínio nesse ínfimo instante lhe indicou que sim: consumou-se plenamente feliz, plenamente amado, plenamente realizado. E chegou até mesmo a pensar que fizera tudo a tempo, antes que tudo acabasse.