Se eu te pedir
de volta, você me devolve aquilo que na verdade nunca foi meu?
Foi
pensando nisso que Santa despertou de um sono cujo sonho lhe parecia real,
embora não se lembrasse de absolutamente mais nada a respeito dele. Chegou até
mesmo a pensar que sequer tivera tido um sonho, que aquilo fosse apenas mais um
dos infinitos fenômenos inexplicáveis. A hora? De que importava, afinal. O fato
é que ele sentia apenas que queria e deveria ficar mais tempo na cama. Mesmo
assim, levantou-se. Sempre achava curiosa a sensação do instante do assim que acorda. Salvo os
casos em que despertava por já não suportar dormir ou ficar deitado um segundo
mais que fosse, de resto, o sono do despertar era sempre um tipo de confusão
existencial: não importava o que havia sido nem o que viria a ser há dali a não
muito tempo; sentir a água morna cair sobre o seu corpo atordoado, e percebê-lo
pouco a pouco se encaixando naquilo que ele sabia que, dali a não muito tempo,
ele seria. Nesses momentos, ele queria escrever. Era precisamente quando o seu
coração começava a bater mais depressa. Seus olhos perdiam aquela expressão da
depressão emocional do instante. Logo já estava se tocando com mais vivacidade,
admirando as próprias curvas e definições do corpo que, mais tarde, na maioria
dos outros grandes momentos, ele sabia ou pensava que sabia não tê-las. Era gordo,
era magro. Era forte, era fraco. Era alto e era. Era. Era belo, mas a maior
parte do tempo era feio, porque sempre se convencia de que era feio. Não tinha mal
hálito, mas se preocupava sempre com isso: era o medo de ser tão desagradável
quanto as pessoas desagradáveis que conhecia. O fato era que às vezes fazia
tudo errado quando tentava impedir que tal acontecesse. Não eram raras as vezes
em que, estando em casa – e dela não tendo necessidade alguma de sair –, ele
negligenciasse a escovação de seus dentes, e passasse o dia sem fazê-lo, ou
qualquer outro ato de higiene básica. E oscilava do ânimo que o paralisava ao
desânimo que o consumia. E não deixava de pensar no futuro, determinado pelas
consequências de todas as suas (muitas) fraquezas: precisava corrigi-las,
precisava ser uma pessoa melhor. Mas não conseguia. Dia após dia, traçava
ansiosamente planos de ação no sentido da auto-superação, mas esbarrava sempre
no sinal básico de qualquer operação: a realidade é bem diferente do que
pensamos. Isto é princípio, é constante. Santa queria ser feliz. Santa queria
ser amado. Santa queria se casar com alguém que ele amasse muito, e que esse
alguém o amasse tanto ou mais que ele. Que tivessem filhos e tranquilidade
financeira. Que ele pudesse fazer o que gosta e se relacionar bem com todas as
pessoas. Santa queria ser respeitado, lembrado, querido. Santa queria ser
admirado. Santa estava infeliz.
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