quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Santa [1] - Relbier Oliveira





Se eu te pedir de volta, você me devolve aquilo que na verdade nunca foi meu?
Foi pensando nisso que Santa despertou de um sono cujo sonho lhe parecia real, embora não se lembrasse de absolutamente mais nada a respeito dele. Chegou até mesmo a pensar que sequer tivera tido um sonho, que aquilo fosse apenas mais um dos infinitos fenômenos inexplicáveis. A hora? De que importava, afinal. O fato é que ele sentia apenas que queria e deveria ficar mais tempo na cama. Mesmo assim, levantou-se. Sempre achava curiosa a sensação do instante do assim que acorda. Salvo os casos em que despertava por já não suportar dormir ou ficar deitado um segundo mais que fosse, de resto, o sono do despertar era sempre um tipo de confusão existencial: não importava o que havia sido nem o que viria a ser há dali a não muito tempo; sentir a água morna cair sobre o seu corpo atordoado, e percebê-lo pouco a pouco se encaixando naquilo que ele sabia que, dali a não muito tempo, ele seria. Nesses momentos, ele queria escrever. Era precisamente quando o seu coração começava a bater mais depressa. Seus olhos perdiam aquela expressão da depressão emocional do instante. Logo já estava se tocando com mais vivacidade, admirando as próprias curvas e definições do corpo que, mais tarde, na maioria dos outros grandes momentos, ele sabia ou pensava que sabia não tê-las. Era gordo, era magro. Era forte, era fraco. Era alto e era. Era. Era belo, mas a maior parte do tempo era feio, porque sempre se convencia de que era feio. Não tinha mal hálito, mas se preocupava sempre com isso: era o medo de ser tão desagradável quanto as pessoas desagradáveis que conhecia. O fato era que às vezes fazia tudo errado quando tentava impedir que tal acontecesse. Não eram raras as vezes em que, estando em casa – e dela não tendo necessidade alguma de sair –, ele negligenciasse a escovação de seus dentes, e passasse o dia sem fazê-lo, ou qualquer outro ato de higiene básica. E oscilava do ânimo que o paralisava ao desânimo que o consumia. E não deixava de pensar no futuro, determinado pelas consequências de todas as suas (muitas) fraquezas: precisava corrigi-las, precisava ser uma pessoa melhor. Mas não conseguia. Dia após dia, traçava ansiosamente planos de ação no sentido da auto-superação, mas esbarrava sempre no sinal básico de qualquer operação: a realidade é bem diferente do que pensamos. Isto é princípio, é constante. Santa queria ser feliz. Santa queria ser amado. Santa queria se casar com alguém que ele amasse muito, e que esse alguém o amasse tanto ou mais que ele. Que tivessem filhos e tranquilidade financeira. Que ele pudesse fazer o que gosta e se relacionar bem com todas as pessoas. Santa queria ser respeitado, lembrado, querido. Santa queria ser admirado. Santa estava infeliz. 

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