sábado, 2 de junho de 2012

Pai..- Arnaldo Silva



Hoje perguntaram por ti, meu pai
Usei palavras da razão para dizer que estavas bem
Desejando crer que realmente fosse verdade
Sinto falta de ver tua barba branca por fazer
Nossas conversas sempre foram tão incompatíveis
De tão cruel que a vida te foi
Tu me falas de realidades inexistentes
Eu teimo em te buscar destes sonhos
Para que não sofras ainda mais
Eu te falo da minha rotina diária
Da minha luta em busca de coisas que desconheces
Que as vezes acho que nada representam
Diante da vida, da felicidade…
E tu sorri, acreditando que teu filho é feliz
Por ter, por menor que seja,
Um caminho, uma estrada, um objetivo
Formação, trabalho, família, amigos
Há se soubesses como as vezes tudo parece fútil
Convivo com pessoas tão frágeis!
O que me sobra é sugar o que tem de melhor:
Amizade, desejo, fantasias ou quem sabe o amor
Fizeste aniversário e não pude falar-te
Ou abraçar-te para sentir-te
É tudo tão triste o que sinto
Muita vontade de chorar
Um choro solitário, incompreendido por outros
Que não nos compreendem ou não te aceitam
Não sabem o que já vivemos nesta vida
Eu e tu; tu e eu; filho e pai; pai e filho
As vezes conto tuas histórias
Escrevo contos pensando em ti
São tantas saudades que me pego
Ousando estar sempre te esperando
Pronuncio tuas frases prontas, tuas idéias
Para te manter mais perto de mim
Sabes que te compreendo
Sabes que somos iguais
Sabes que sou teu filho
Sabes que és meu pai
Sabes que eu ti amo para sempre

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eterno Inimigo Íntimo (O Avesso de Mim Mesmo) - Relbier Oliveira


Venha e me leve!
Neste dia em que me vejo de novo acossado pelo mal de há muito
Meu maior inimigo nunca esteve em outro lugar
senão em mim mesmo
Ingerido quente. Assim preto, forte
porém doce
Ou enfiado pelas contingências ambientais
Venha e me leve de volta ao Inferno!
Uma série de desfortunas me trouxe você de volta
Devo abraça-la, com a minha mais verdadeira hipocrisia?
Não se recebe de volta quem nunca foi embora
Entrou e me jogou na cara toda a solidão inerente
Sacudiu o tecido dos meus bons modos
e me remostrou o quanto sou feio
Não aprendi a admirar a minha imagem no espelho
A não me identificar com o que não seja o falso que criei
e não me reconheço
Vivo a esquizofrenia da não auto-aceitação
A realidade oprime; minha subjetividade, idem
Não vislumbro descanso nem na morte
E só vivo para buscar superação
porque a existência é eterna
– Afinal, nunca a experienciei de outro modo.
Sim, podes voltar a dormir em seu velho leito
Porém, até o fim desta eternidade
terás  de ter ido embora.

terça-feira, 29 de maio de 2012

As Lembranças - Relbier Oliveira


Passa o tempo, gasta-se a vida, sobram lembranças.
A nostalgia não é uma fraqueza, e sim o cômputo da existência.
Não se quer voltar atrás, mas somente apreciar os pontos belos do caminho.
A transformação biopsicossocial nos força a abandonar a magia:
só nos sobram as lembranças, só nos sobra solidão.
Mas agora, passa-se a vida e gasta-se o tempo.
Tudo fica preto e branco
Assim, sério; assim cansado
Assim embriagado e entediado
Assim, sem graça-ingênua
(porque senso de humor é fuga despropositada:
vazia, fria; sem sentido: sem graça)
Apoiado o desprezo ao saudosismo ao tempo de infância!
Da velha casa, quero apenas os velhos planos
Quero a curiosidade de se ver o simples
e de tirar dele um universo de possibilidades
Quero o tempo sem valor monetário, sem valor ocupacional
Quero a vida como nada que precisasse de uma filosofia de tédio para explicar
A vida com delírios próprios, delírios meus
A Lagoa Azul ingênua, perene
Sem se preocupar com o eterno
por não considerar começo ou fim
Mas percebendo que o para-sempre era aquele agora
que agora se foi
E jaz, para sempre, na memória e na lembrança
Num sentimento quente no fundo da alma
Numa existência já sem tempo e já quase sem vida
mas, para sempre, memorizada.
(Domingo de Páscoa, 2012)