terça-feira, 6 de agosto de 2013

Shantiti - Capítulo 2 (Relbier Oliveira)



— Escuta, eu não entendo... Quem é essa garota que você tem trancada ai...? Por que você a mantém trancada...? O que foi que ela fez?
— Gordo, quão rápido você consegue correr? É que estou muito a fim de matar alguém hoje. 20 minutos são suficientes?
Gordo, que era realmente gordo, olhou pela plataforma da torre a vasta floresta que se estendia para além do que os olhos e o horizonte permitiam ver, e disse calmamente, enquanto levava para trás da orelha uma mecha de cabelo que pendia-lhe na testa:
— Eu não vou correr, você sabe disso. Não banque o gângster, por favor... Não lhe cai bem. Já estou farto disso tudo... Vou sair.
— Ora, vejam só! Mas você não conseguiu o que queria?
— Sim! Mas isso tudo é na verdade um pesadelo. Eu sempre saio me sentindo um lixo, como se me faltasse algo. Como você faz isso? O que é que você está roubando de mim?
— Além do dinheiro? Mais nada. Toda vez você diz a mesma coisa, isso já tá ficando chato.
— E você, que toda vez diz que vai me matar e nunca me mata? — Retrucou Gordo, já exaltado, batendo com os dois punhos na mesa, atrás da qual uma luxuosa cadeira de balanço – feita de madeira, com estofado rosa e adornada com diversos metais e pedras preciosas – balançava sem aparentemente ter ninguém sobre ela.
— Não está me vendo outra vez, Gordo? – E emitiu um sonoro riso de deboche.
— O que é você, um demônio?
— E você, Gordo, o que é? Um demônio?
Gordo deu-lhe as costas impaciente e se dirigiu até o parapeito da plataforma, pendurou-se pelo lado de fora e começou a descer pela longa escada vertical pregada na parede. O vento e as nuvens no céu anunciavam a tempestade habitual dos fins de tarde.
— Vai chover ­— Disse-lhe lá de dentro a voz — É melhor levar um guarda-chuva, acho que você não vai querer se molhar.
Sem mais dar atenção ao que a voz lhe dizia, continuou descendo até alcançar o chão. Lá, novamente ajeitou a mecha de cabelo. Olhou uma ultima vez para o alto da torre e para a ameaça real e quase certa de chuva; respirou fundo, segurando o ar por alguns instantes e enquanto mantinha os olhos, como que numa prece. Em seguida, desapareceu na mata fechada. A chuva começou a cair.
“Curiosa essa sensação. Por que, afinal, passei tanto tempo com medo da chuva?”. Sentiu-se tonto. Apoiou-se numa árvore próxima. Começou a tremer. Caiu numa poça de lama no chão. — Não! Por favor, Deus! Não! — Gritou. E começou a se arrastar, ofegante. Seu coração doía apertado e batia acelerado. O estômago embrulhado e uma sensação de frio e aperto no alto do abdômen. Mas continuou, mesmo se arrastando. — Não, Deus! Não! — Gritava. O desespero. A sensação de morte iminente. Ele iria mesmo morrer, era só questão de tempo. O estava matando. Ele estava de fato morrendo.
“Vai morrer! Vai morrer! Vai morrer!”
De repente, pensou ter ouvido uma voz feminina dizer “Não!”. A chuva então parou. Conseguiu ainda levantar a cabeça, já esgotado, mas por fim deixou-se chafurdar, sem nenhuma energia mais.