—
Escuta, eu não entendo... Quem é essa garota que você tem trancada ai...? Por
que você a mantém trancada...? O que foi que ela fez?
—
Gordo, quão rápido você consegue correr? É que estou muito a fim de matar
alguém hoje. 20 minutos são suficientes?
Gordo,
que era realmente gordo, olhou pela plataforma da torre a vasta floresta que se
estendia para além do que os olhos e o horizonte permitiam ver, e disse
calmamente, enquanto levava para trás da orelha uma mecha de cabelo que
pendia-lhe na testa:
—
Eu não vou correr, você sabe disso. Não banque o gângster, por favor... Não lhe
cai bem. Já estou farto disso tudo... Vou sair.
—
Ora, vejam só! Mas você não conseguiu o que queria?
—
Sim! Mas isso tudo é na verdade um pesadelo. Eu sempre saio me sentindo um
lixo, como se me faltasse algo. Como você faz isso? O que é que você está
roubando de mim?
—
Além do dinheiro? Mais nada. Toda vez você diz a mesma coisa, isso já tá
ficando chato.
— E
você, que toda vez diz que vai me matar e nunca me mata? — Retrucou Gordo, já
exaltado, batendo com os dois punhos na mesa, atrás da qual uma luxuosa cadeira
de balanço – feita de madeira, com estofado rosa e adornada com diversos metais
e pedras preciosas – balançava sem aparentemente ter ninguém sobre ela.
—
Não está me vendo outra vez, Gordo? – E emitiu um sonoro riso de deboche.
—
O que é você, um demônio?
—
E você, Gordo, o que é? Um demônio?
Gordo
deu-lhe as costas impaciente e se dirigiu até o parapeito da plataforma,
pendurou-se pelo lado de fora e começou a descer pela longa escada vertical
pregada na parede. O vento e as nuvens no céu anunciavam a tempestade habitual
dos fins de tarde.
—
Vai chover — Disse-lhe lá de dentro a voz — É melhor levar um guarda-chuva,
acho que você não vai querer se molhar.
Sem
mais dar atenção ao que a voz lhe dizia, continuou descendo até alcançar o chão.
Lá, novamente ajeitou a mecha de cabelo. Olhou uma ultima vez para o alto da
torre e para a ameaça real e quase certa de chuva; respirou fundo, segurando o
ar por alguns instantes e enquanto mantinha os olhos, como que numa prece. Em
seguida, desapareceu na mata fechada. A chuva começou a cair.
“Curiosa
essa sensação. Por que, afinal, passei tanto tempo com medo da chuva?”.
Sentiu-se tonto. Apoiou-se numa árvore próxima. Começou a tremer. Caiu numa
poça de lama no chão. — Não! Por favor, Deus! Não! — Gritou. E começou a se
arrastar, ofegante. Seu coração doía apertado e batia acelerado. O estômago
embrulhado e uma sensação de frio e aperto no alto do abdômen. Mas continuou,
mesmo se arrastando. — Não, Deus! Não! — Gritava. O desespero. A sensação de
morte iminente. Ele iria mesmo morrer, era só questão de tempo. O estava
matando. Ele estava de fato morrendo.
“Vai
morrer! Vai morrer! Vai morrer!”
De
repente, pensou ter ouvido uma voz feminina dizer “Não!”. A chuva então parou.
Conseguiu ainda levantar a cabeça, já esgotado, mas por fim deixou-se
chafurdar, sem nenhuma energia mais.