quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Carta a um eu cindido (ainda não novo amigo) - Relbier Oliveira

Eu não quero que gritem comigo como se eu fizesse isso por puro capricho. Há não muito, aprendi a observar as pessoas no intuito, quase que inconsciente, de aprender com elas como se viver, como se comportar. Mas veio, com isso, inevitavelmente, a inveja, e reminiscências da minha infância me questionando em que parte do percurso me desviei, e o que determinou que fosse assim. Remonto, por vezes, a causas que estão aquém inclusive do meu nascimento, talvez anterior mesmo à minha concepção; algo da ordem do invisível, mas real: ainda cientifico. Não quero mais ficar sozinho, mas nunca soube fazer de outra forma. O que me fez ser assim? Tudo o que perdi e o que perderei, valores inestimáveis. Algo fica? Algo se ganha, para compensar? Não consigo deixar de pensar que sou muito desadaptado; que é quase como se fosse uma sentença, pior do que perpétua: eterna. Condição sine qua non da minha existência. A cada passo, o peso do fardo se mostra inversamente proporcional à distância que me resta; consequentemente, não conseguirei chegar ao fim, apesar de estar cada vez mais perto. Mas, caminha-se para aonde, afinal? Caminha-se no sentido do movimento, na inércia. A questão sobre o destino parece estéril quando se sente que não se vai chegar, seja aonde for. É como se fosse um jogo da natureza, e eu, enquanto só mais uma peça, não fosse mais importante para qualquer estratégia, e estivesse condenada. O peso, na verdade, então, é a tensão do prenúncio do fim: os passos do carrasco, o engatilhar das armas, o rosto pálido dos normais, a indiferença da criança distraída com seu brinquedo aos pés dos pais atentos. Genética, sociedade, dinheiro, já não significaria nada para mim se os pudesse ter todos. Um compra o outro, é quase verdade, mas já não os saberia usar em favor da minha causa a essa altura do campeonato. Tudo ficou tão complexo que já se formou em mim a dúvida de se se sair teria algum alento. Já à beira da confusão total, do desespero. O ambiente me controla, sou joguete. Não sei mais o que pensar. Não consigo ver sinais que indiquem alternativas, é tudo categórico. Um complô, uma paranoia. A bandeira da ansiedade deve estar sendo hasteada na capital, a guerra chegou ao fim! Fumem um cigarro, declamem uma poesia. Pensem naquele amor, qualquer amor, mesmo os não correspondidos, os inexistentes, os fingidos, os impostos, os delírios. Pense que a missão foi concluída, ainda que, na verdade, pois, tenha sido falida. Pense no descanso, na paz, na tranquilidade, palavras borradas no seu vocabulário, sem imagens, sem sentido, que só se usa pelo seu valor formal, estético, tal qual o amor. Não, não queira se despedir, já não há eles, já não há aliados, nunca houve. Amigos, famílias: para você, tudo ilusão. Deixe tudo para trás e vá, siga seu coração. Sua mente é terra arrasada, mas seu coração ainda bate, desde sempre, como nunca, cada batida um novo impulso, sinal de vida. Mas não, não faça dele um fundamento. Apenas vá, o siga, e nada mais. Não olhe para trás ou acabará temperando carne de churrasco. Espero te encontrar em breve, quem sabe não possamos ser amigos. Me identifico com você, mas ainda estou preso, não posso partir. Ainda sou escravo, ainda presenteio o meu algoz com meus gritos, com minha dor. Mas não demora, amigo, estaremos juntos. Formaremos nosso clã, nossa tribo, nossa terra, e seremos, enfim, mais que potencialidades.

Até breve.

Ruínas da existência possível - Relbier Oliveira

Não tenha vergonha da sua imundície do seu fedor da sua feiura, do seu desconcerto dos escombros do seu mundo podre e sujo pois é nele que você é feliz só nele você é feliz é lá que você encontra referências que tornam sua vida bela só lá você encontra sua ordem seu prazer seus valores, sua estética só lá o mundo há de fazer sentido para você no seu mundo do que em todos os outros