quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A invenção da paz em tempos de guerra - Roni dos Santos

Existe uma máxima na sociedade brasileira que nos últimos anos ganhou campo de tal maneira que eu chego a ter medo desta força. Independente de onde irmos, encontra-se pessoas em uma luta contra a violência, por pedidos alienados de paz. É óbvio que todos querem paz, todos querem sair nas ruas sem ser atingido por uma bala ou ser coagido por uma arma, no entanto, além da hipocrisia da nossa parte, a que preço pedimos paz? Como em termos de política “os fins justificam os meios”, então que meios usaremos para conseguir paz? Se quisermos manter a hipocrisia é só fechar os olhos, se não, é só ligarmos a TV e ouvirmos o ressoar das nossas consciências na voz de apresentadores de programas em altos índices de audiência, mas esta é só a ponta do ice Berg. Entretanto, já dizia o velho e reacionário Nelson Rodrigues: “Toda unanimidade é burra”, digo isto por que puta, travesti, ladrão, traficante, vândalos e toda espécie de marginal é tido como o cancro social, anomalia a ser combatida pelo Estado democrático de direito com o apoio “inalienável”, porém alienado da sociedade civil.

Se formos um pouco atentos, notaremos que a palavra “justiça” só tem um significado, isto por que a inteligência das pessoas é dicionaresca. Esta é pela afirmação categórica que vemos cotidianamente, olhar sobre o infrator que, por sua vez, o transforma em um criminoso. Se fizermos o difícil esforço de nos deslocarmos para o sentido polissêmico das palavras, somente das palavras, iremos ver que alemão, por exemplo, a palavra infrator (brechen) tem o mesmo sentido que quebrar, portanto, o infrator é àquele que quebra algo, no nosso caso, àquele que quebra as regras sociais. Ainda sim minha pergunta não é por que ele quebra as regras sociais, mas qual estratégia a sociedade organizou para justificar a punição. Por que se é para entender todas as contradições sociais das quais somos formados, isto é, se é para que todos tirem as máscaras, é interessante que se desvele a máscara do discurso que arquiteta e processa todo um jogo teatral sobre a violência. Entretanto a sociedade é propositalmente burra, por que, como dito antes, o discurso oficial tem transformado o infrator em criminoso.

Para justificarmos isto de modo concreto, podemos nos remeter aos mais de 100 mortos por parte da retaliação policial no episódio que o PCC se desferiu contra os órgãos ligados a justiça criminal do Estado de São Paulo em 2006. Sabemos que uma parcela dos civis mortos foram executados com um tiro na nuca. Como se já não bastasse os números dizerem sobre a brutalidade, temos um agravante e como resultado, o apoio inalienável da sociedade. Na luta de policiais contra traficante do Morro do Alemão do Rio de Janeiro, mostraram-se inúmeras bandeiras com pedidos de paz, mas o discurso oficial era de que a paz estava ligada ao Estado e à ação policial, em raros momentos falou-se do medo que a população tinha dos policiais que subiam o morro e julgavam preliminarmente qualquer “alvo suspeito”, nem a da bandeira que dizia “O alemão é mais complexo”, uma referência ao descaso policial na sua ação objetiva contra os fins.

Nos últimos anos, qualquer manifestação de violência se tornou ilegítima diante dos olhos da sociedade. Marcha, só para Cristo, qualquer passeata ou protesto tem que seguir uma serenidade, se não, é crime. Sob este ponto de vista os movimentos sociais têm sido criminalizados constantemente, sob a alegação de ato violento o MST, por exemplo, tem sofrido processos na justiça, mas a violência da fome que o latifúndio gera não tem sido questionada por outros órgãos da sociedade. É contraditório ver uma sociedade, burguesa como a nossa, que se ergueu sobre muita luta política e sangue próprio, se afirmar em cima de sangue alheio.

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