terça-feira, 25 de janeiro de 2011

O Tempo - Relbier Oliveira

Sinto-me especial. Mais especial do que nunca me senti antes. Na verdade, todos devem se sentir especiais, por serem únicos; cada um, um. Mas eu sou ainda mais diferente de todos. Nessa semana, me consagro definitivamente a última consciência do meu tempo. Na verdade, já o sou oficialmente há pelo oito anos, quando a mais velha última consciência de um tempo morreu por falta de energia, de vigor. Como teriam sido gastos os anos de sua juventude (ou não o foram, por isso chegara tão longe). Talvez pudéssemos ter sido amigos, apesar da distância, da diferença cultural, e até mesmo da idade (ele era míseros sete anos mais velho que eu). Às vezes penso comigo, quando não estou no meu Nirvana compulsório, na minha paciência imanente, no meu cansaço crônico – aquele dos mais cinco minutos (e mais cinco, e mais cinco) de sono em manhã fria e chuvosa de domingo, quando se sabe que não se tem que trabalhar, mas que, mesmo assim, desperta, só para poder voltar a dormir; o sono bom, como que uma vingança pelas manhãs de sono “quero-mais” – em reunir as velhas consciências que ainda seguram as pontas dessa aventura estranha de viver carregando a chama do passado, cruzando eras incongruentes, mundos distintos, dos quais pertenço a todos, mesmo não sendo alienígena apenas no primeiro, no meu mundo de fato, do qual sou arauto e a prova viva (é importante lembrar) da existência. Como é viver em um mundo em que gerações se sucedem, mas que você nunca morre? Como é pensar que todos que estavam vivos quando você nasceu já morreram, e que desde o seu nascimento mais de 10 bilhões de novas pessoas já nasceram, das quais muitas também já se foram? Foram muitas histórias, pessoais e mundiais. Foram vidas, foram almas, foram corações. Foi-se a minha vida pessoal (há tempos) e ficou o compromisso humano. Represento a humanidade, devo dizer. Sou o mais velho de todos. Estava aqui muito antes mesmo de todos vocês chegarem. Vi acontecer o que vocês só adquirem crença pelos escritos de quem eu próprio vi escrever. Vi Nietzsche, as histéricas, Einstein... Vi Marx. Vi a abolição da escravidão no Brasil, a chegada do rei. Vi o violento desabrochar das ciências e a aplicação de toda sua tecnologia, quase como que um transplante de mundo, sem anestesia: arrancaram-me os olhos e o substituíram por puras vertigens ficcionais, um futurismo que mesmo quem o previa em delírios poéticos não o esperava chegar, tampouco tão cedo, como que em uma invasão. Primeiro, aos poucos, depois com acentuada incidência, fui ficando sozinho nisso tudo. Como é ver seus avós, pais, irmãos, amigos, primos, tios, tias, pessoas públicas, artistas, esposas, filhos, netos morrerem, todos que fizeram parte da sua história mais fundamental, da sua construção, do seu desenvolvimento, morrerem, e você continuar rompendo mundos, sozinho? Não sou tão flexível assim: perde-se o referencia, perde-se o rumo. Como consegui me manter firme, apesar de tudo? Do meu antecessor chegou apenas o que chamo de a cápsula, uma carcaça orgânica ainda viva, vegetativa, basicamente. A alma se perdeu em algum momento da viagem. Nisso também o superei: tenho ainda, pelo menos, consciência.

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