quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

100 postagens!

E para comemorar:

"Quero escrever-te como quem aprende. Fotografo cada instante. Aprofundo as palavras como se pintasse, mais do que um objeto, a sua sombra. Não quero perguntar por quê, pode-se perguntar sempre por que e sempre continuar sem resposta: será que consigo me entregar aos expectante silêncio que se segue a uma pergunta sem resposta? Embora adivinhe que em algum lugar ou em algum tempo existe a grande resposta para mim.
E depois disso saberei como pintar e escrever, depois da estranha mas íntima resposta. Ouve-me, ouve o silêncio. O que te falo nunca é o que eu te falo e sim outra coisa. Capta essa coisa que me escapa e no entanto vivo dela e estou à tona de brilhante escuridão(...)Custa-me a crer que eu morra.Pois estou borbulhante numa frescura frígida. Minha vida vai ser longuíssima porque cada instante é. A impressão é que estou por nascer e não consigo.
Sou um coração batendo no mundo.
Você que me lê que me ajude a nascer.
Espere: está ficando escuro. Mais.
Mais escuro.
O instante é de um escuro total. (...)
Agora as trevas vão se dissipando. 
Nasci."
                                                                                      Clarice Lispector- Água Viva
                                                         




Casa velha de Machado: um debate dos costumes - Roni dos Santos

Casa Velha, curto romance de Machado de Assis que ilustra o Brasil Colônia, nos faz entrar em um mundo estamentado em suas posições sociais, onde cada individuo tem o seu lugar marcado, destino traçado e posição feita. O contexto social são os anos de 1830, isto é, em plena regência monárquica de D. Pedro I, logo encontramos inúmeros elementos de um Brasil atrasado, quase feudal. Quatro são os personagens principais: D. Antonia, a matriarca da casa, seu filho Félix um rapaz sem muitas afinidades para com a vida que herdou, a agregada Lalau e o personagem/narrador representado por um padre interessado em reconstituir a vida política do falecido ministro, ex-conjunge de D. Antonia.

O romance narra a paixão de Félix por Lalau e em contrapartida sua correspondência pela moça. No entanto, há uma oposição, de sua mãe, D. Antonia, que segundo ela mesma, ao expor suas razões de interdição ao casamento diz em relação ao seu filho, “(...) precisa de uma aliança de casamento. Isto não é novela de príncipes que acabam casando com roceiras, ou de princesas encantadas.” A contradição irônica machadiana tem a intenção de solapar o romantismo do início do século XIX de uma sociedade de indivíduos livres e prontos para subir e descer as classes sociais conforme suas aspirações e oportunidades. Com efeito, a crítica social se arrasta a um Brasil hipócrita que mantém ideias moderna sob costumes conservadores. Não foi diferente, por exemplo, na inconfidência mineira, onde procurou-se romper com a monarquia portuguesa, porém mater-se-ia a escravidão.

É sobre esse Brasil que não avança que machado constrói uma crítica singular, é particularmente sobre o modelo a estrutura mental dos personagens que reproduzem constantemente a mentalidade social que Machado procura descrever. Félix, por exemplo, não herdou do pai vocação alguma para a política, no entanto, as tradições sociais e familiares pedem que ele seja, enquanto ele se mantém em um sonho de paixão pela moça Lalau, a carreira política também ameaça não se cumprir. A mãe, matriarca da casa, é tida por um momento do romance como uma imperatriz “Não batia com o cetro em ninguém, mas estimava saber que lho reconheciam.”, ou seja, na ausência do senhor era ela a responsável pela ordem, tinha duplo papel, de manter os costumes da casa, por isso a insistência até o fim para que seu filho não se case com uma “agregada”, e ao mesmo tempo de zelar pela docilidade do lar.

Ser agregado neste período da sociedade brasileira, significava ser branco e ter um mínimo de instrução educacional – no caso das mulheres, instrução para arrumar um bom casamento, no caso de Lalau “Tendo ficado órfã desde 1831, D. Antônia cuidou de lhe completar a educação; sabia ler e escrever, coser e bordar; aprendia agora a fazer crivo e renda.” Ser agregado na primeira metade do século XIX significava ter compromissos com o senhorio da casa. Lalau é dama de companhia de D. Antonia, têm regalias de senhora, anda pelos cômodos e desfruta das amizades familiares, no entanto, sua posição inferior é motivo suficiente para que D. Antonia sustente uma mentira sobre seu nascimento para impedir um casamento com seu filho.

O padre, personagem/narrador é o intermediador do conflito, é o espírito cristão e ingênuo de uma sociedade justa e igual “em Deus”, ou como ele mesmo diz “Sou antes especulativo que ativo; gosto de escrever política, não de fazer política. Cada qual como Deus o fez.” O que representa a omissão das instituições religiosas, sem um papel político claro, pior, quando esse papel era claro, era de apolítico. A Igreja no Brasil, desde a catequização dos índios até a constituição das pastorais assumiu um papel de conciliadora dos conflitos na sociedade brasileira, um trabalho um trabalho de excessivo intermédio, que por vezes apóia uma causa, em determinados momentos é um pé no freio e em outros não tem papel algum.

Por fim, a moça Lalau casa-se com Vitorino, filho de um mecânico, rapaz que não prometia até este desfecho. Félix casa-se com Sinhazinha, outra promessa que tardara a se cumprir. O que os casamentos têm a ver? Eram, sobretudo, casamentos arranjados desde o começo, caso não fosse a paixão dos dois, estes matrimônios já se teriam realizados. Então concluímos com a citação do desfecho final do romance de Machado de Assis que diz “Se ele (Félix) e Lalau foram felizes, não sei; mas foram honestos, e basta.”, isto é, ironicamente ser honesto, é saber seu lugar na “casta”.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Espasmos - Arnaldo Silva

Meu coração está em prantos
Cego, sonhador
Sofre pelo desejo
Pela saudade
Por dias de alegria

Meu corpo tem espasmos
Cansado, carente
Anseia pelo calor
Tem saudade
Dos dias de felicidade

Minha mente esta seca
Alerta, atenta
Fez pacto com a razão
Evitando a saudade
Dos dias cheios de emoção

Meu sexo não existe
Amorfo, jaz inútil
Apenas espasmos
Cheio de saudade
Dos dias de prazer

Meu olhar esta turvo
Sem brilho, sem horizonte
Carece de imagens
Cheio de saudade
Dos dias de muita cor

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Máscara da Ilusão (2005)


• Título Original: MirrorMask
• Direção: Dave McKean
• Roteiro: Neil Gaiman (história e roteiro), Dave McKean (história)
• Gênero: Aventura, Drama, Fantasia
• Origem: Estados Unidos, Reino Unido
• Duração: 101 minutos
• Tipo: Longa-metragem
• Diálogo: Inglês
• Legenda: PT-BR
• Cor: Colorido

Helena trabalha para um circo e deseja, ironicamente, fugir e viver uma vida comum. Mas este não é o caso, uma vez que ela se encontra em uma estranha jornada rumo a Dark Lands, um lugar fantástico repleto de gigantes, pássaros-macaco e esfinges perigosas. Helena está à procura da “Máscara da Ilusão”, um objeto de enorme poder que é a sua única esperança de escapar de Dark Lands, acordar a Rainha da Luz e retornar para casa. Baseado na obra homônima  de Neil Gaiman.


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Nostálgico - Gustavo da Silva Vieira


Não quero adormecer
Quero antes ouvir todas as canções do mundo 
E assistir a todos os filmes sobre minha vida 
Quero saborear cada palavra de todos os livros do mundo sobre cada ferida minha escondida 
Vou te buscar em alguma cidade 
E deixar a parte vazia de mim nela nunca mais voltar lá... Não terei de passar pelo circo no fim da rua 
ver pássaros tortos em gaiolas cantarem canções para mim 
O que resta agora é o adeus de uma fria tarde cinzenta soprando meu rosto molhado 
E uma suave canção silenciosa ecoando de alguma casa velha abandonada Numa cidade abandonada Onde ninguém pode dormir.

domingo, 6 de novembro de 2011

Com amor...Da idade da Razão

INFORMAÇÕES Título Original: Cirkus Columbia Gênero: Romance Tempo de Duração: 113 min Ano de Lançamento: 2011 Qualidade: DVDRip – Rmvb Áudio: Dublado(Pt-BR) Distribuidora: Califórnia Filmes Direção: Yann Samuell Tamanho: 280 mb Quando faz 40 anos, Margarida, uma mulher de negócios, recebe uma carta que ela mesma escreveu quando criança. O intuito é refrescar a memória da quarentona sobre as promessas que ela fazia para si mesma. Quando ela queria,no futuro, relembrar os planos que fazia. Inspirado no romance de Jean Paul Sartre.

domingo, 30 de outubro de 2011

Musa - Relbier Oliveira

Do amor, quero dizer apenas verdades Mas minha mente encontra-se inebriada Repleta de pensamentos torrenciais Que me arrastam pelo pior dos caminhos Os caminhos que me afastam de você. Um desfavor. Porque, a partir deles, só faço burradas Oh! Doce loucura, agora te entendendo Há tempos deixou de ser apenas recurso poético. Admirando-te, Musa, penso sentir teu calor, teu cheiro: Doce alucinação Mas vã, arauto do mal. Por que não viver a realidade? Por que não aceitar que nunca a terei? Por que não aceitar que o amor é verdadeiro Mas que sua realização nem sempre o é? Realizar um sonho ao preço de destruí-lo? Por que não deixa-lo ser o que é, um sonho apenas? Por que não aceitar a tragédia do existir? Por que não confortar a dor, qualquer dor, em teu próprio seio E parar de procurar abrigo em ilusões? Não, o mundo não é um romance, é real. Pode até sê-lo, mas não o seu. – Não foi desta vez, amigo. Mas nem por isso deve ser o fim Porque o fim é belo, é doce e calmo A tragédia é suave apenas, Um tempero da vida, a beleza profunda O que faz da alma humana Lapida o diamante bruto Transforma a pedra em arte Não é só dura, é violenta, porém necessária – Mas a gente aguenta, sim, aguenta! E mesmo sem amor, vive! E mesmo na dor, atinge O que na vida tem Que a faz valer a pena.

"Ex-voto" - Adelia Prado (por Elisa Lucinda)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O Santo - Relbier Oliveira

“Um dia, eu estava sentado no meio do caminho, como de costume, pedindo dinheiro, como de costume, me sentindo um lixo pior do que as guimbas esfoladas pelos sapatos apertados dos transeuntes apressados com suas vidas, quando eis que uma pessoa se aproximou de mim. Não vi direito quem era. De que me importaria: acaso conheceria? Faria distinção entre as diferentes feições e estilos e vaidades e egocentrismos que geralmente passam por aqui onde os lixos se acumulam? Estranho, não me incomodei com sua presença”.

“Em condições normais, eu faria cara feia, apesar da esmola. Se viesse falar, então! Me dar sermão, me dar conselhos, falar de Deus... vixi! Era de cusparada a palavras de baixo calão”.

“Sangue no zói até umas horas. Porque é assim: não sou melhor que ninguém, é verdade, mas cansei de ser usado de figurante na foto de Bom Samaritano. Você sabe que, no fundo, a única piedade é com eles mesmos, pelo sacrifício que estão fazendo vindo falar essas coisas, vindo querer dizer que somos iguais, que eles não veem distinção, e o caralho”.

“Posso me sentir malzão depois. Pô, um dia eu já tive dignidade, sei como é. Mas, meu: não tenho mais nada a perder. Se quiser, depois, eles sabem onde eu durmo, onde eu me escondo. Coisa que não falta é gente pra fazer mal nesse mundo. E sabe como é que é, né: a gente tá aqui pra isso mesmo. Pra morrer e dar graças a Deus. É o melhor que há, é um presente. Mas o seguinte, eu vim pra cá já sabendo dos riscos, sabe qual é? Na verdade, eu quis largar tudo, sair dessa porra. – Porra, meu, emprego de merda desde os oito anos, desde que eu me entendo por gente... se é que eu já fui gente alguma vez nessa vida. Meu, muié relaxada! Porquera! Nojera! Os fi tudo virando tranquera, querendo bater na gente. Depois de todo o caralho que eu fiz pra eles. Meu, passei fome pra tentar dar um futuro melhor pra eles, e é assim que eles agradecem? Ai vem um filho da puta desses me dizer chavão. Ah! Vá pra puta que o pariu! Irrita mesmo, meu, de boa. Tá! A intensão pode até ser boa. Mas, como dizem, dela o inferno tá cheio”.

“Meu, foi mais ou menos assim: não era bem uma pessoa, era uma presença, sei lá. Tinha uma mão. Mas não era bem uma mão, manja?! Eu não sei explicar. Sei lá, cara, parece que tudo à minha volta perdeu a importância, tinha importância mínima, manja?! Sabe, tipo: a mente ficou vazia, velho... E eu não tinha tomado nada, não tinha fumado nada. Cheirado? Vixi, nem sei mais o que é isso: falta capital, sabe qual é? Cara, eu não sei explicar. Foi sinistro. Foi bom, velho, foi bom... foi bom pra caralho. Tipo, essa vida de merda toda fez todo o sentido. Manja, tipo... um copo? Mais ou menos assim a parada... Não, uma garrafa, daquelas toda retorcida. Ai você põe a água e ela se preenche toda, e faz sentido. Sabe, estar em todos os lugares ao mesmo tempo sem sair do lugar, sem estar em nenhum... Sem corpo, sem raça, sem identidade, sem essas paradas toda ai, sem caralho nenhum. Tipo, muita velocidade... muita! Um calor que não queima, que aquece, que conforta. Uma luz de todas as cores, num brilho alaranjado... Me lembrava um circo. Cara, eu nunca fui num circo. Eu nunca vi um elefante, uma girafa, mas elas tavam lá. Sabe, o tempo... durou minha vida toda e mais: o tempo que eu ainda nem vivi e o que eu nunca viverei, o antes o depois o agora, e o quarto. É, o quarto, manja? O que está ainda além. E eu só segurei aquela mão, velho. Ele disse “vem comigo”, e eu não fui, manja? Por que eu não fui, brow? Por que eu não fui? Aqui ninguém me dá valor. Olha ai onde estou, jogado na merda, tendo que fumar guimba usada, dessas bocas fididas, nojentas... boca de buceta suja. Ah! Toma no cu, brother. O que que eu ainda queria fazer aqui, jovem, diz ai? Eu não sei, sérião mesmo, eu não sei... Ter que esperar o próximo, agora, meu! Já era. Se pá, sorte assim só uma vez na vida. Eu troco meu bilhete premiado da Mega Sena, que tá aqui no bolso, por outra chance, manja? Mas não sei, doido... não sei. Acho que, se pá, eu faria tudo de novo, tudo do mesmo jeito, sabe? Chegaria lá, de novo, em cima da hora, pra chutar pro gol, e pararia. Por que, brother? Por quê? Cara, eu não tinha isso. Foi depois dessa parada ai que eu fiquei assim. Sei lá, parece que eu aprendi a gostar de mim. É estranho. Sei lá, é como se eu estivesse com o bolso cheio de dinheiro... É mais. É mais que isso. Manja um carro? Tipo assim, um 147... Pô, muito loco, eu sempre quis ter um desses ai. Mas pensa em um zuado, bem zuadão mesmo. Então, sei lá: de repente você empurra ele num lava-a-jato (empurra, né, porque o coitado não deve tê nem mais motor, de tão zuado que tá), ai sai do outro lado uma Ferrari, novinha, com o Ronaldinho e tudo. Vixi, cara, o bagulho é loco. Mas, meu, sabe, eu não sei explicar. Então, o 147 era eu, manja? Essa parte você entendeu, né? Tipo, eu quero estar aqui. Pode estar ruim o quanto for, eu quero estar aqui. Não que sei lá onde eu ia ir fosse pior, mas eu quero estar aqui agora. Talvez antes eu quisesse qualquer coisa, melhor, pior, qualquer coisa. Talvez a morte, sei lá. Mas agora não, agora eu quero estar aqui. Sei lá porque, jovem... Tipo, e é isso o que me intriga. Dá vontade de sair, pular, cantar, só de lembrar... Meu, só de lembrar. É que, contando, assim, não dá pra você entender direito, manja? Ah! Sei lá, brother. Mas, apesar de tudo, estou cansado, chato, velho e ranzinza. Desculpa ai, vai... Você deve tá achando que eu sou doido, sei que tá. Mas, dá nada não, meu. Eu tô em paz agora, tô na minha. Sei o que vi, mas te entendo, brow. Seguinte: fica com Deus, ai, amigo. Vô indo nessa. Quero meu colchão. Depois a gente se fala. Te cuida! Fui!”.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Loucura. Hoje, Felicidade - Bianca Squarisi

Hoje devo dizer tudo o que sinto, Ainda que ache que não deva, Ainda que transcenda todos os valores, Ainda que cale toda a mentira... Hoje devo ser o que sou, Sem me esconder atrás da sanidade e da normalidade... Hoje quero gritar ao mundo tudo o que acho certo, Que acho belo... Hoje vou dizer o que calei, Gritar o que sussurrei, Amar o que omiti, E querer o que não se deveria... Hoje vou viver, Hoje estou aqui, Hoje e agora... Agora é a hora! É a hora de tomar aquela decisão, Sem medo que seja cedo, Sem medo que seja tarde, É hora de esquecer os medos e os receios... Hoje serei toda a insanidade omitida por bem do mundo... Mas que há em cada um de nós... Hoje serei feliz... E a felicidade nada mais é do que libertar toda essa loucura... Pois a verdadeira felicidade poderá ser encontrada no mesmo abismo da loucura!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Ser-Poeta - Relbier Oliveira

Com uma caneta e um caderno em mãos Numa paisagem não tão singular, mas cativante Apesar das coisas que sinto, escrever coisas belas E me reconhecer nelas, ao fim Tendo consciência das minhas dificuldades das minhas limitações Mas me movendo para livrar-me delas Sim, o mundo é belo, apesar de tudo E não sou eu que vou estragá-lo para você O Lobisomem sabe quando é hora de partir quando é hora de subir às montanhas Lá, onde até os ventos são raros À procura não de solidão, mas de segurança Segurança não para si, mas para quem ama Quando mesmo o amor se transmuda em destempero Quando a humanidade se rende à fera e mostra sua face mais sincera, mais real Reflexo das incertezas que tornou a sentir O motor da insanidade saturado em brasa E tudo o que excede desanda as engrenagens destrói os meus valores Porém, apesar de tudo, a beleza do outro mundo O horizonte já obscuro, mas que pretendo alcançar Os novos horizontes a me fazer sofrer com também sua indecisão Falta de sinais claros que me motivem a agir fora de mim Entretanto, a beleza me toca Se apropria de qualquer que seja minha emoção E se traveste em poesia Me preenchendo com satisfação Ser poeta, afinal, é estar a serviço da arte Tocado pelo mundo, movido pela falta Movido pela distância, pelo abismo É a expressão de uma sensibilidade agonizante que rasga o véu e também a carne e talvez também a alma, se não deixá-la sair É uma possessão que compensa pelo alívio Não cobro nada pelo meu uso Só peço que entre e peço que saia A alquimia do sentimento A tradução da vida condensada num momento O olhar vazio de quem vê através de tudo olhando apenas para dentro de si A sua existência como referência da beleza ou do desprazer do mundo Ser poeta é, acima de tudo, ser no tudo. 02 - 19/10/2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Carta a um eu cindido (ainda não novo amigo) - Relbier Oliveira

Eu não quero que gritem comigo como se eu fizesse isso por puro capricho. Há não muito, aprendi a observar as pessoas no intuito, quase que inconsciente, de aprender com elas como se viver, como se comportar. Mas veio, com isso, inevitavelmente, a inveja, e reminiscências da minha infância me questionando em que parte do percurso me desviei, e o que determinou que fosse assim. Remonto, por vezes, a causas que estão aquém inclusive do meu nascimento, talvez anterior mesmo à minha concepção; algo da ordem do invisível, mas real: ainda cientifico. Não quero mais ficar sozinho, mas nunca soube fazer de outra forma. O que me fez ser assim? Tudo o que perdi e o que perderei, valores inestimáveis. Algo fica? Algo se ganha, para compensar? Não consigo deixar de pensar que sou muito desadaptado; que é quase como se fosse uma sentença, pior do que perpétua: eterna. Condição sine qua non da minha existência. A cada passo, o peso do fardo se mostra inversamente proporcional à distância que me resta; consequentemente, não conseguirei chegar ao fim, apesar de estar cada vez mais perto. Mas, caminha-se para aonde, afinal? Caminha-se no sentido do movimento, na inércia. A questão sobre o destino parece estéril quando se sente que não se vai chegar, seja aonde for. É como se fosse um jogo da natureza, e eu, enquanto só mais uma peça, não fosse mais importante para qualquer estratégia, e estivesse condenada. O peso, na verdade, então, é a tensão do prenúncio do fim: os passos do carrasco, o engatilhar das armas, o rosto pálido dos normais, a indiferença da criança distraída com seu brinquedo aos pés dos pais atentos. Genética, sociedade, dinheiro, já não significaria nada para mim se os pudesse ter todos. Um compra o outro, é quase verdade, mas já não os saberia usar em favor da minha causa a essa altura do campeonato. Tudo ficou tão complexo que já se formou em mim a dúvida de se se sair teria algum alento. Já à beira da confusão total, do desespero. O ambiente me controla, sou joguete. Não sei mais o que pensar. Não consigo ver sinais que indiquem alternativas, é tudo categórico. Um complô, uma paranoia. A bandeira da ansiedade deve estar sendo hasteada na capital, a guerra chegou ao fim! Fumem um cigarro, declamem uma poesia. Pensem naquele amor, qualquer amor, mesmo os não correspondidos, os inexistentes, os fingidos, os impostos, os delírios. Pense que a missão foi concluída, ainda que, na verdade, pois, tenha sido falida. Pense no descanso, na paz, na tranquilidade, palavras borradas no seu vocabulário, sem imagens, sem sentido, que só se usa pelo seu valor formal, estético, tal qual o amor. Não, não queira se despedir, já não há eles, já não há aliados, nunca houve. Amigos, famílias: para você, tudo ilusão. Deixe tudo para trás e vá, siga seu coração. Sua mente é terra arrasada, mas seu coração ainda bate, desde sempre, como nunca, cada batida um novo impulso, sinal de vida. Mas não, não faça dele um fundamento. Apenas vá, o siga, e nada mais. Não olhe para trás ou acabará temperando carne de churrasco. Espero te encontrar em breve, quem sabe não possamos ser amigos. Me identifico com você, mas ainda estou preso, não posso partir. Ainda sou escravo, ainda presenteio o meu algoz com meus gritos, com minha dor. Mas não demora, amigo, estaremos juntos. Formaremos nosso clã, nossa tribo, nossa terra, e seremos, enfim, mais que potencialidades.

Até breve.

Ruínas da existência possível - Relbier Oliveira

Não tenha vergonha da sua imundície do seu fedor da sua feiura, do seu desconcerto dos escombros do seu mundo podre e sujo pois é nele que você é feliz só nele você é feliz é lá que você encontra referências que tornam sua vida bela só lá você encontra sua ordem seu prazer seus valores, sua estética só lá o mundo há de fazer sentido para você no seu mundo do que em todos os outros