quarta-feira, 8 de maio de 2013

A Sagrada - Relbier Oliveira



A mulher entrou aflita procurando por refúgio, procurando por abrigo. Falou como se não fosse ela; falou como se interpretasse. Disse algo de si mesma de tal modo travestido, encoberto, que terminaram por entender outra coisa, e até ela mesma: não se reconhecia expressa nas próprias palavras. Zombou de si acanhada e pensou "vou escrever um livro". Foi o que fez; um livro curto, poucas palavras, direto. Mas com uma profundidade tão grande que ela viu mais do que a si mesma ali refletida, pensava enxergar também a humanidade, cada uma das pessoas. Agora estava satisfeita. Mas, apesar disso, ainda queria mais: queria a glória, o reconhecimento. Achava-se arauto de um novo tempo, de esperança. Achava-se um tipo de profeta, ou, antes, um anjo. O nome do seu pequeno livro seria "A Sagrada".

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Sol, Girassol - Relbier Oliveira




O que seria do Sol
Sem girar, o Sol?
Sem seu Girassol?
O tal beija-flor é do que tenho medo
De que roube em segredo
Seu doce néctar do amor
Mas o que seria de um girassol
Sem seu sol
Para poder girar?
Sei que é por mim que vives
Sei que é por mim que ages
Sei que é por mim que te fazes girar
Ai, se não fosse o Sol!
Ai, se não fosse o Sol!
Nem beija-flor te poderia beijar
Amo esta coisa tão louca que sinto por você
Amo seus lábios carnudos
Fonte do pecado, meu mundo
Então sou pecador!
Quero me acabar na beleza desse seu sorriso, menina
És meu prazer
Seu corpo tão quente,
Em cuja boca esses dentes
Que querem me morder
Esse seu quadril e cabelos:
Fetiches de se ver
Seus olhos que me olham,
Que dizem,
Que chamam,
Me pedem prazer
Mas a noite chega, e a lua.
Um frio!
Suspiros hesitantes questionam
Se outros dias hão de vir
Meu Girassol
Te perco de vista
Descubro outros mundos
Que só os contos a você
Que estás plantada neste solo infértil
Cercada de ervas-daninha
Mato, formigas, pragas
Intrigas...
Meu bem, podes deixar:
Esta noite é de lua cheia.
Venhas comigo
Vamos, vamos descobrir o mundo juntos, baby!
Quero que sorrias
Quero que cintiles
E destiles seu doce aroma no orvalho da noite
Quero que me abraces
E digas que me ama
(e que sem mim não podes viver)
É verdade, eu sei
[Pretensão?!]... Um mínimo!
Te amo, te amo, te amo.
E por quê?
Porque és igual a mim,
Meu Sol.
Pois sou teu, Girassol.




sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Polvererrância* Incendiária - Caio Cachuté & Relbier Oliveira




Obstruo as vias de acesso do auto-aniquilamento pelas veredas do criar
Dou ao mundo a cria fria que de minhas entranhas tardias resolveu saltar
Vivo permanentemente atrelado ao avesso do meu ser
A concretude e seus artifícios é o meu lar
Que da janela sinto o vento a me convidar ao sonho
Ao que rechaço como a um cachorro vadio
Quero a liberdade de ser o que a realidade quiser de mim
Uma “colcha de retalhos” reveste o meu corpo
Uma lógica binária eu repudio!
Sou amante das vicissitudes do cotidiano
Sou amante do que vem do mundo
Não sou puta do destino
Antes a desgraça do que eu mesmo for capaz de fazer!
Fui abortado dos meus desejos de eternidade
E soçobrado aos liames e labirintos do meu outro (inconsciente)
Deixo-me ir pelos caprichos da vontade
Tolhido apenas pela tragicidade amoral
Daquilo que pode vir a ser


*Polvererrância: Pólvora + Errância.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

França - Relbier Oliveira



Você esta se insinuando em minha vida
E não ofereço resistência alguma
Tudo o que conseguir alcançar será seu
Não tenho armas, não tenho exército
Não tenho sequer ideologias que lhe sirvam de oposição
Tenho apenas um coração
Um coração que bate mais forte em sua presença
Um coração que ouriça; que se excita, que espera
Te espera a sonhar,
a desejar ver o mar como a primeira vez
Aquela vez em que eu tão só
consegui descobrir o amor
Ainda sequer sonhava que você existia
Duvidava que um dia fosse sentir por alguém aquilo que sentira.
Veja ao longe, no horizonte:
Lá vem vindo
Com seu ornato e sua pompa
Assim como quem se convence de si mesma:
o tipo de pessoa que eu custo a entender
como existe fora da minha cabeça
Que seja bem vinda!
Que não passe ao largo, desdenhando
Que retribua o amor que há tempos venho acumulando.


domingo, 11 de novembro de 2012

Por Amor - Relbier Oliveira




 É preciso amadurecer o suficiente para poder falar de amor. Entretanto, mal me sinto maduro sequer para falar!
Desejo uma mulher como nunca desejei nenhuma outra. Sinto necessidade do seu espírito e da sua companhia, do seu calor, do seu cheiro e do seu toque, mas me sinto ainda menino. Falar-lhe sobre o que sinto é contar que vi um ninho de formigas a um astronauta: era tão belo, tão encantador, tão revelador, mas era apenas um ninho de formigas, afinal. São dimensões igualmente grandes, apesar de relativamente diferentes. Uma mulher deve certamente esperar mais que um ninho de formigas, ainda que este possa ser tão grande quanto o mundo. Como potencializar o que temos de ingênuo e puro sem perder a ternura (jamais)?
“Eu te amo” é vago, correndo o risco de ser vazio. Mas eu te amo, poxa! Por que não consigo dizê-lo a você, se é tudo o que tenho de mais sincero para dizer? É que temo perde-la, e a mantenho ao preço de uma alma sufocada, a minha, calada por meias verdades que teimam perigosamente em sair pondo tudo a perder: o homem que por elas sai de minha boca, mas que não sou eu. Eu sou menino.
Um homem não se troca pelo que não terá por medo de perder o que não tem. Antes a certeza de ter perdido que o remorso de nunca ter tentado. Preciso fazer com que esse homem que vos fala saia e conquiste efetivamente o mundo, ou que, se não, morra tentando, mas que deixe de se esconder por medo de perder o que, de fato, nunca teve. O império da fantasia está ruindo; o apelo da realidade é mais forte. O efeito do tempo torna mais melancólico os personagens criados, e isso é cada vez mais insuportável: o homem precisará sair se não quiser morrer soterrado. Terá de repossuir o seu velho corpo consumido pela ilusão e transformá-lo num guerreiro, um lutador, e marchar para a reconquista da realidade.
De fato, o amor transforma. A ameaça de perdê-lo quando não se o tem é tão pior quanto perdê-lo quando se o tinha. É que a fantasia potencializa a dor.
Sim, por amor. Por amor é que o menino resolveu mudar. Por amor é que o menino resolveu tornar-se homem. Por amor abandonou o seu mundo de felicidades opacas em busca da cor mais viva quanto possível. Por amor aceitou pôr tudo a perder a valer. Por amor ele se expôs a isso. “Mas, o que é esse tal amor?”, cabe a pergunta. Isso ele ainda não sabe realmente. Resolveu colocar a fantasia à prova para testar se de fato o amor existe. E, se constatar que ele não existe, não terá mais para onde voltar. Terá de aprender a ser um vazio homem prático, e desejar, enquanto espera, que a chegada do desconhecido lhe confira uma nova chance. Porém, também o império do desejar será nesse momento tido apenas por ficção do espírito. Então só lhe restará a realidade. Que ela não seja para ele tão dura!


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Santa [1] - Relbier Oliveira





Se eu te pedir de volta, você me devolve aquilo que na verdade nunca foi meu?
Foi pensando nisso que Santa despertou de um sono cujo sonho lhe parecia real, embora não se lembrasse de absolutamente mais nada a respeito dele. Chegou até mesmo a pensar que sequer tivera tido um sonho, que aquilo fosse apenas mais um dos infinitos fenômenos inexplicáveis. A hora? De que importava, afinal. O fato é que ele sentia apenas que queria e deveria ficar mais tempo na cama. Mesmo assim, levantou-se. Sempre achava curiosa a sensação do instante do assim que acorda. Salvo os casos em que despertava por já não suportar dormir ou ficar deitado um segundo mais que fosse, de resto, o sono do despertar era sempre um tipo de confusão existencial: não importava o que havia sido nem o que viria a ser há dali a não muito tempo; sentir a água morna cair sobre o seu corpo atordoado, e percebê-lo pouco a pouco se encaixando naquilo que ele sabia que, dali a não muito tempo, ele seria. Nesses momentos, ele queria escrever. Era precisamente quando o seu coração começava a bater mais depressa. Seus olhos perdiam aquela expressão da depressão emocional do instante. Logo já estava se tocando com mais vivacidade, admirando as próprias curvas e definições do corpo que, mais tarde, na maioria dos outros grandes momentos, ele sabia ou pensava que sabia não tê-las. Era gordo, era magro. Era forte, era fraco. Era alto e era. Era. Era belo, mas a maior parte do tempo era feio, porque sempre se convencia de que era feio. Não tinha mal hálito, mas se preocupava sempre com isso: era o medo de ser tão desagradável quanto as pessoas desagradáveis que conhecia. O fato era que às vezes fazia tudo errado quando tentava impedir que tal acontecesse. Não eram raras as vezes em que, estando em casa – e dela não tendo necessidade alguma de sair –, ele negligenciasse a escovação de seus dentes, e passasse o dia sem fazê-lo, ou qualquer outro ato de higiene básica. E oscilava do ânimo que o paralisava ao desânimo que o consumia. E não deixava de pensar no futuro, determinado pelas consequências de todas as suas (muitas) fraquezas: precisava corrigi-las, precisava ser uma pessoa melhor. Mas não conseguia. Dia após dia, traçava ansiosamente planos de ação no sentido da auto-superação, mas esbarrava sempre no sinal básico de qualquer operação: a realidade é bem diferente do que pensamos. Isto é princípio, é constante. Santa queria ser feliz. Santa queria ser amado. Santa queria se casar com alguém que ele amasse muito, e que esse alguém o amasse tanto ou mais que ele. Que tivessem filhos e tranquilidade financeira. Que ele pudesse fazer o que gosta e se relacionar bem com todas as pessoas. Santa queria ser respeitado, lembrado, querido. Santa queria ser admirado. Santa estava infeliz. 

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